Conheça o sucesso do Facebook: Bode Gaiato

De Fernanda Guerra - Diario de Pernambuco


A fórmula de sucesso reúne pelo menos três ingredientes: uma imagem tosca, frases entrecortadas e o resgate de diálogos arquivados no imaginário nordestino. A combinação se tornou combustível para a explosão de memes (brincadeiras via web) no Facebook com o poder de reavivar e disseminar traços da cultura oral e dos costumes da região.

As timelines (linhas do tempo) dos usuários da rede social viraram espaço para risadas ao sabor de produções tocadas por uma turma jovem e imbuída do espírito de fazer humor a partir de situações experimentadas por todos, mas, até agora, nunca reunidas e atiradas diariamente diante dos olhos de quem as vive.

Uma das páginas mais conhecidas, a do Bode Gaiato, é um exemplo bem-sucedido. Criada há apenas cinco meses, já superou a marca de 745 mil curtidas - nos últimos 15 dias, ganhou mais de 400 mil seguidores. Os números deslumbram o internauta Breno Melo, de 19 anos, dono do perfil que virou febre e influência para seguidores.

Difícil encontrar um usuário pernambucano da rede social que não conheça ou se reconheça nas ilustrações postadas. Só para refrescar: o bode de Breno se chama Junin e vivencia situações recorrentes da vida de uma criança: uma bronca da mãe ou uma brincadeira de rua são os assuntos mais abordados nas conversas.

Breno nasceu no Recife, cresceu em Taquaritinga do Norte, mora há anos em Caruaru e estuda engenharia elétrica na Universidade Federal de Campina Grande. A visibilidade na web cresceu tanto que o Bode Gaiato ganhou reproduções falsas (fakes, como são chamadas). “Tem uma que já postou imagens com frases pornográficas e palavrão. Isso pode gerar preconceito. Não é a linha do Bode Gaiato”, explica Breno, que já contou 32 imitações.

O humor sem apelo praticado por Breno rendeu-lhe publicidade na página, com fabricação de camisetas, e até um programa em uma rádio do interior. A linha, diz, é defender e espalhar elementos da cultura nordestina, do modo de falar ao cotidiano.

A estratégia tem respaldo. O gaúcho Fernando Fontanella, pesquisador de cultura popular midiática, salienta o perfil agregador do Bode. “A página continua a prática popular de fazer autorreferência. Muitas imagens são sugeridas pelo público. As situações são compartilhadas por várias pessoas de fora do Nordeste. Eu, que não cresci aqui, me vejo em algumas situações”, analisa. No livro Minidicionário de Pernambuquês, o escritor Bertrando Bernardi observa: “A cultura não é uma coisa estática. Com o passar do tempo, vai se modificando. Não tem pacote pronto. É feita do dia a dia”.

Fontanella arremata: “Existe a cultura reconhecida em obras de arte, no folclore, na música… E a cultura do cotidiano. O que é ser nordestino é mais reconhecido nisso do que nas obras de arte”, acredita. “O linguístico não é só o forte. É o mais óbvio. O grande sucesso dele é o levantamento de situações típicas de coisas que causam reconhecimento. É um processo contínuo com o tipo de humor que se faz no cordel”, complementa. A escritora e pesquisadora de cordel Maria Alice Amorim é mais cautelosa. “Acho caricato. A literatura de cordel é associada à utilização de linguagem matuta. É o caso do Bode Gaiato, que se utiliza de regionalismos para fazer rir, mas nada tem do mundo poético dos folhetos de cordel”, ressalta.

Glossário - Da boca do Bode
Pia - Espia, observa
Avia - Anda logo
Óia - Olha
Visse - Viu
Armaria - Ave Maria
Crendôspai - Creio em Deus pai
Mar minino - Mas menino
Vigemaria - Virgem Maria
Mulesta - Moléstia (doença, peste ruim)
Pantim - Frescura
Nãm - Não, recusa

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