Klévisson Viana e o renovar das tradições

Poeta e ilustrador investe nas artes das culturas populares, contabilizando quase 150 títulos publicados
Foto: Érika Fonseca
De todas as ferramentas necessárias para um ofício, a palavra é, ao mesmo tempo, a mais elementar e a mais tecnológica. Instigada desde a sua forma bruta, ganha os mais diversos significados e alcança a excelência ao desvelar causos, sonhos e afetos por meio da poesia. Ser poeta cordelista é ter domínio singular da palavra. É transformar o português em matemática para falar de quaisquer outras ciências plausíveis ou fantásticas, sempre possíveis no universo da imaginação, abrindo mão, quando necessário, de regras que são empecilhos à fluidez dos vocábulos.

Klévisson Viana é um especialista no trabalho com a palavra. Faz verso até com o próprio nome, em acrósticos que marcam a assinatura de suas obras. É poeta até quando não usa as palavras e escolhe como signo os traços de suas ilustrações. Com 25 anos de carreira, Klévisson se destaca como divulgador da literatura de cordel em todo o mundo.

Trajetória
Família de poetas na Fazenda Ouro Preto, em Quixeramobim, a virtude da poesia morava, junto à família de Klévisson Viana. A herança vem do bisavô, Francisco de Assis, o Fitico, autor de cordéis que, sem que tenham sido publicados, corriam de mão em mão entre as fazendas da região. Alzira, a avó paterna, gostava de cantar e recitar clássicos da literatura de folhetos e acabou os ensinando ao filho Evaldo, pai de Klévisson.

"Meu pai era agricultor, mas estava sempre com um livro na mão. Nunca me mandou ler um livro, mas seu comportamento acabou inspirando o gosto pela leitura em mim e em meus irmãos". Além de Klévisson, o irmão Arievaldo também se fez poeta.

O talento para o desenho, por sua vez, nasceu enquanto observava as linhas e cores dos bordados feitos pela mãe. Além disso, o primo de seu pai, Luis Miguel, costumava desenhar, nas paredes de casa, cenas do cotidiano, como a lida dos vaqueiros. "Achava aqueles desenhos muito bonitos. Às vezes, ia até a casa dele só para ficar vendo as ilustrações", conta Klévisson.

Em 1988, aos 15 anos, Klévisson começou a trabalhar como ilustrador para um jornal em Canindé. Dois anos depois, passou a desenhar para um jornal de Fortaleza. "Comecei a me dedicar mais à ilustração, mas não me afastei dos cordéis, pois muitos cordelistas me procuravam para fazer as capas de folhetos".



Cordel
Em 1995 decidiu sair do emprego para fundar a editora Tupynanquim. A intenção inicial era fazer a editoração de jornais, livros e revistas. Certo dia, entretanto, uma amiga comentou que a filha precisava fazer um trabalho escolar sobre literatura de cordel, mas não encontrava folhetos em Fortaleza. "Ainda existiam vários poetas, mas eles deixaram de publicar em gráficas, faziam dez cópias dos seus folhetos e se davam por satisfeitos, o que diminui a circulação dos cordéis", comenta.

Quando foi a São Paulo, em 1998, para receber o prêmio HQMix, o maior prêmio de quadrinhos do Brasil, pelo livro "Lampião... Era o Cavalo do Tempo atrás da Besta da Vida", ficou hospedado na casa de Joseph Luyten, professor especialista em cultura popular. "Ele tinha uma coleção de mais de 17 mil folhetos, a maioria do Brasil. Voltei à Fortaleza convencido a publicar cordéis na Tupynanquim".

Desde então, já se somam quase mil títulos publicados, entre obras de autores veteranos e contemporâneos. Alguns dos folhetos já ultrapassaram os 70 mil exemplares e mais de 2 milhões já foram distribuídos, não apenas no Brasil, mas em outros países. O primeiro cordel de Klévisson, "A Botija Encantada e o Preguiçoso Afortunado", está entre eles e faz parte dos 120 títulos que o autor publicou, fora os 28 livros de quadrinhos e ilustração. "Graças a Deus, muitos dos meus trabalhos foram premiados. Tenho essa dádiva de fazer obras que caem no gosto das pessoas", afirma.

Obras
Dentre os títulos de maior repercussão, "Lampião...", lançado em 1998, até hoje ainda é publicado, e já chega perto da marca de 600 mil exemplares impressos. O cuidado com a preservação da cultura cearense o fez dedicar as páginas finais do livro a uma espécie de compêndio ilustrado com personagens, ambientes e objetos do universo sertanejo.

Outras obras, como as versões de "Os Miseráveis" e "Dom Quixote" em cordel, "A Megera Domada" e "A História de Barba Azul" foram selecionadas pelo Ministério da Educação (Mec) para fazer parte do Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), sendo distribuídas em escolas públicas de todo o País. Em 2001, "A Quenga e o Delegado", foi adaptado para a TV em episódio da série "Brava Gente", da Rede Globo.

Cordel no mundo
"Eu afirmo, sem medo de errar, que a literatura de cordel é uma das maiores contribuições brasileiras para a literatura universal, porque é extremamente respeitada, principalmente fora do Brasil". Klévisson é assertivo na convicção da importância do cordel, comprovada nas inúmeras viagens que já realizou para divulgar a literatura popular pelo mundo. O poeta já foi convidado para participar do Festival de L'eau, na França, da Feira Internacional do Livro em el Zócalo, no México, da Feira Internacional da Palavra, em Cabo Verde, dentre outros eventos.

Já teve, inclusive, seus poemas traduzidos para outras línguas a exemplo do francês, no livro "Charlemagne, Lampião et autres bandicts - Histoires populaires brésiliennes", adaptado pela estudiosa francesa Annick Moreau.

Clássicos
Novidade entre os lançamentos da editora Tupynanquim é a publicação de clássicos da literatura universal em cordel. Klévisson dedicou-se a adaptar "O Guarani", do cearense José de Alencar, e "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas. Outras obras, como "Helena", de Machado de Assis, e "Os Lusíadas", de Luis de Camões, também fazem parte do catálogo, adaptadas pelos poetas Mestre Zé Barbosa e Stélio Torquato Lima.

(Texto de Ranniery Melo, repórter do Diário do Nordeste)

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