Glauber Rocha e a literatura de cordel
"O cinema feito por Glauber Rocha pode ser caracterizado de várias maneiras, menos como algo simplório. Assim também acontece com a cultura popular" - Rodrigo Elias.
O cineasta conquistense Glauber Rocha, uma das principais cabeças do Cinema Novo, se apropriou da literatura de cordel para a construção de duas importantes obras da sua filmografia: "Deus e o diabo na terra do sol" (1964) e "O dragão da maldade contra o santo guerreio"(1969). Essa relação entre Glauber e a literatura de cordel foi analisada por Sylvia Nemer, autora do livro "Glauber Rocha e a literatura de cordel: uma relação intertextual" (Edições Casa de Rui Barbosa, 270 pp., R$ 23) - publicado a partir da tese de doutorado que apresentou em 2005 na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Na obra, Nemer destrincha a “estética da fome” de Glauber, mostrando que o cineasta não “representava” simplesmente a violência da condição social (e natural) à qual esteve (e está) submetida parte considerável dos brasileiros do Nordeste. Ao contrário, ele conseguiu desenvolver, através do seu discurso cinematográfico, uma linguagem da violência, presente na apropriação que ele faz da cultura popular do cordel e na representação dos personagens, das situações e falas na tela grande.
A autora analisa as imagens destes dois filmes, fazendo uma relação com a tradição oral. Para ela, a cultura popular é exemplificada pela poética do cordel, que inclui além dos folhetos de feira do Nordeste, a prática do desafio repentista. A abordagem, com marcante ancoragem teórica, torna o livro de interesse preferencialmente para especialistas. Sylvia Nemer apóia-se em Paul Ricoeur, Paul Zumthor, André Gardies, entre outros, e faz uma releitura dos filmes de Glauber e da tradição oral, renovando a abordagem da apropriação da cultura popular pelas elites e transformando o olhar sobre os dois filmes clássicos do cineasta.
A pesquisa realizada por Sylvia revela que para "Deus e o diabo" Glauber escreveu um poema que serviu de base para o conjunto de canções que compõem o filme. Esse poema, à maneira da tradição popular do cordel, conta a mesma história narrada pelo filme. O cordel serve como referência homogênea, articuladora da narrativa e o filme reproduz a estrutura básica do folheto. Já em "O dragão da maldade" a poesia sertaneja, na modalidade do desafio repentista, encontra-se associada a outras formas de manifestação popular (como os cantos, as danças, os rituais populares do enredo) e de expressão artística.
Os dois filmes lidam com o cordel de formas completamente diferentes. Ao contrário de "Deus e o diabo", onda há uma direção, um caminho a seguir, em "O dragão da maldade" o fim não nos leva a lugar algum. Em um caso, lembrando a lógica do folheto, a vitória do bem contra o mal representa a moral da história cuja repetição tem como princípio evitar que, um dia, os males do passado se repitam.
No outro, como nos desafios repentistas, a vitória significa apenas o fim da peleja que deverá ser recomeçada, outro dia, em outro lugar, com um tema inteiramente novo e lidando diretamente com a participação do público que intervém como elemento de surpresa no processo de criação.
Este trabalho rendeu à Sylvia Nemer o Prêmio Casa de Rui Barbosa. A tese encontra-se disponível para download aqui.
Mais sobre o cineasta Glauber Rocha e seus filmes, no site do Tempo Glauber.
O cineasta conquistense Glauber Rocha, uma das principais cabeças do Cinema Novo, se apropriou da literatura de cordel para a construção de duas importantes obras da sua filmografia: "Deus e o diabo na terra do sol" (1964) e "O dragão da maldade contra o santo guerreio"(1969). Essa relação entre Glauber e a literatura de cordel foi analisada por Sylvia Nemer, autora do livro "Glauber Rocha e a literatura de cordel: uma relação intertextual" (Edições Casa de Rui Barbosa, 270 pp., R$ 23) - publicado a partir da tese de doutorado que apresentou em 2005 na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Na obra, Nemer destrincha a “estética da fome” de Glauber, mostrando que o cineasta não “representava” simplesmente a violência da condição social (e natural) à qual esteve (e está) submetida parte considerável dos brasileiros do Nordeste. Ao contrário, ele conseguiu desenvolver, através do seu discurso cinematográfico, uma linguagem da violência, presente na apropriação que ele faz da cultura popular do cordel e na representação dos personagens, das situações e falas na tela grande.
A autora analisa as imagens destes dois filmes, fazendo uma relação com a tradição oral. Para ela, a cultura popular é exemplificada pela poética do cordel, que inclui além dos folhetos de feira do Nordeste, a prática do desafio repentista. A abordagem, com marcante ancoragem teórica, torna o livro de interesse preferencialmente para especialistas. Sylvia Nemer apóia-se em Paul Ricoeur, Paul Zumthor, André Gardies, entre outros, e faz uma releitura dos filmes de Glauber e da tradição oral, renovando a abordagem da apropriação da cultura popular pelas elites e transformando o olhar sobre os dois filmes clássicos do cineasta.
A pesquisa realizada por Sylvia revela que para "Deus e o diabo" Glauber escreveu um poema que serviu de base para o conjunto de canções que compõem o filme. Esse poema, à maneira da tradição popular do cordel, conta a mesma história narrada pelo filme. O cordel serve como referência homogênea, articuladora da narrativa e o filme reproduz a estrutura básica do folheto. Já em "O dragão da maldade" a poesia sertaneja, na modalidade do desafio repentista, encontra-se associada a outras formas de manifestação popular (como os cantos, as danças, os rituais populares do enredo) e de expressão artística.
Os dois filmes lidam com o cordel de formas completamente diferentes. Ao contrário de "Deus e o diabo", onda há uma direção, um caminho a seguir, em "O dragão da maldade" o fim não nos leva a lugar algum. Em um caso, lembrando a lógica do folheto, a vitória do bem contra o mal representa a moral da história cuja repetição tem como princípio evitar que, um dia, os males do passado se repitam.
Capa do livro |
Este trabalho rendeu à Sylvia Nemer o Prêmio Casa de Rui Barbosa. A tese encontra-se disponível para download aqui.
Mais sobre o cineasta Glauber Rocha e seus filmes, no site do Tempo Glauber.
Comentários