Viva Luiz: do Mangue à primeira gravação


Enquanto esperava um navio para voltar a Pernambuco, Luiz ficou no Batalhão de Guardas do Rio de Janeiro. Um soldado o aconselhou:

- Mas, rapaz! Com um instrumento desses aí e na moita. Isso é dinheiro vivo, moço! Sei onde você com isso aí pode levar seus cinqüentões folgados!

Era no Mangue, Rua Júlio do Carmo, esquina de Carmo Neto. "Um fuzuê dos diabos", conta Luiz.

Ao barulho do movimento na rua juntava-se o rumor dos bares, da boêmia malandra e constante, soldados e marinheiros do mundo inteiro. Loiros, chinos, brasileiros, alemães, russos, polacos, o diabo. Desconfiado, Luiz começou a tocar timidamente. Mas logo conseguiu companheiro, o guitarrista Xavier Pinheiro, com quem passou a tocar nos bares do mangue, nas docas do porto, nas ruas, onde houvesse alguém disposto a ouvir e jogar alguns tostões no pires. Acabou sendo convidado para tocar em festinhas de subúrbio e nos cabarés da Lapa, após a meia-noite, quando encerrava seu "expediente" nas ruas da cidade. A sanfona garantia-lhe a sobrevivência e abria-lhe novos caminhos.

No Elite, gafieira da Praça da República, Luiz teria a primeira oportunidade de conhecer uma figura do rádio, o pianista cego Amirton Valim, de tocar seus forrós e chamegos do Nordeste. Era uma exceção, pois seu repertório continuava sendo o exigido pelo público da época: tangos, fados, valsas, foxtrotes, etc.

Foi tocando esses ritmos estrangeiros que Luiz fez as primeiras tentativas no rádio, arriscando-se nos programas de calouros de Silvino Neto e Ari Barroso. Fracasso total: nunca passava de uma medíocre nota 3. Até que um dia um grupo de estudantes cearenses chamou-lhe a atenção para o erro que cometia: por que não apresentava as músicas que crescera ouvindo e tocando, as músicas gostosas dos sanfoneiros do sertão como seu pai Januário e Mestre Duda?

- Bôas noite, seu Barroso.
- Rapaz, procure um imprego.
- Seu Ari, me dá licença pra eu tocar um chamego?
- Chamego?... O qui é isso no rol da coisa mundana?
- O chamego, Seu Barroso, é musga pernambucana.
- Como é o nome desse negócio?
- Vira e Mexe!
- Pois arrivira e mexe esse danado... a gente vê cada uma...

Luiz virou e mexeu com todo mundo. Ari Barroso deu-lhe nota 5 e o prêmio de 15$000. O público pediu bis, entusiasmado com a descoberta. Luiz também fazia uma descoberta:
- Havia ambiente para as músicas do nosso sertão, havia um filão a explorar, até então virgem quase não passavam de contrafações grosseiras aqueles programas sertanejos com emboladas e rancheiras.

Não deixou o pires do Mangue, mas começou a aparecer em programas de rádio, como o Zé do Norte, e a conhecer os compositores que admirava: Augusto Calheiros, Antenógenes Silva. Este último, ao saber que Gonzaga tocava no Mangue, profetizou:
- Pois vá se aguentando lá, que seu dia chegará.

E o dia começou a chegar quando Luiz, tocando no Mangue, foi procurado por Januário França. Precisava de um sanfoneiro para acompanhar Genésio Arruda numa gravação. Luiz hesitou:
- Será que eu acerto? 
- É sopa, rapaz.

Luiz saiu-se tão bem no acompanhamento que o diretor artístico da RCA, Ernesto Matos, pediu-lhe para tocar alguma coisa em solo. Luiz tocou duas valsas e uma rancheira. Matos gostou e acabou fazendo uma concessão:
- Agora meta lá esse negocinho do Norte que você disse que tem.

O "negocinho": o chamego Vira e mexe e o xote No Meu Pé de Serra.
- Amanhã pode vir gravar.

(Fonte: Abril Cultural)

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